Está investindo sua verba de treinamento na direção certa?

As empresas continuam concentrando os próprios budget de treinamento em paradigmas de aprendizagem que impulsionam apenas o aprendizado formal.
 
Segundo uma pesquisa de Edgar Dale, sabemos que 80% do que aprendemos na nossa vida empresarial o aprendemos de maneira informal, ou seja, fora de tudo que é organizado formalmente pela empresa para nos fazer aprender algo.
 
Isso significa que todo o esforço e o investimento que as empresas fazem em treinamento, incide apenas sobre 20% do que realmente aprendemos no trabalho.
 
Não faz muito sentido. Verdade? Mas é o que acontece.
 
Segundo Bersin, passamos nas últimas décadas por diversos paradigmas de aprendizagem. Nos anos 90 seguíamos o paradigma de “catálogo de cursos e universidade on-line”. Copiávamos o que era feito no mundo real para o mundo virtual e isso levou à criação de cursos de e-learning, LMS e catálogos de cursos.
Na década de 2000, utilizávamos o paradigma da “gestão integrada de talentos”, por isso construímos tecnologia para percursos de aprendizagem, aprendizagem baseada em competências e aprendizagem alinhada com o trabalho. Isso levou à criação de sistemas de gestão integrada de talentos e à maioria dos sistemas HCM e ERP que temos hoje.
Na última década, surgiu o paradigma da “aprendizagem contínua”, que deu origem ao mercado de plataformas de experiência de aprendizagem (LXP), sistemas de microlearning, sistemas de aprendizagem adaptativos e a uma nova era de soluções de entrega de conteúdo baseadas em IA.
 
Vale a pena fazer uma pequena digressão sobre este último paradigma. Este segue a lógica do consumo do conteúdo, inspirada à lógica que move organizações como Spotify, Netflix, onde consumidor, encontra uma série semelhante de recursos que incluem “canais”, “tópicos”, “recomendações,” e muito conteúdo em destaque projetado para facilitar a localização da próxima coisa a consumir. 
Eles são fáceis de usar, atraentes e levam você de um lugar para outro. E este é o paradigma que muitos fornecedores de plataformas de aprendizagem estão usando hoje.
No entanto, vale a pena salientar que o paradigma do “consumer design” se baseia em fazer com que você queira consumir o máximo de conteúdo possível, então seu objetivo é gerar “engajamento” entendendo por engajamento o fato de você passar cada vez mais tempo na plataforma dos conteúdos. Mas isso vale para as plataformas de diversão, como Netflix ou Spotify.
Na aprendizagem o problema é diferente. Como salienta justamente Bersin, não queremos que as pessoas fiquem “viciadas” na plataforma de aprendizagem, queremos que aprendam algo, apliquem e depois voltem ao trabalho. 
O ROI do treinamento não se baseia na quantidade de conteúdos consumidos, mas no impacto que os conteúdos têm no negócio da empresa (melhorar, qualidade, melhorar vendas, diminuir acidentes, melhorar relacionamentos, etc.).
Voltando aos paradigmas de aprendizagem que vimos nos últimos 30 anos. Todos são voltados à aprendizagem formal.
 
Hoje as coisas começam a mudar. O significado de espaço e tempo no trabalho mudou, especialmente após a pandemia e com o proliferar do home office. 
Além disso, se a era dos anos ‘10 já apresentava uma tendência ao imediatismo, a era dos anos ‘20 o consagrou com uma das principais características de sua geração. E isso teve seus impactos também no âmbito do treinamento corporativo.
Temos cada vez menos tempos para dedicar às atividades de treinamento. Segundo Bersin, um colaborador pode dedicar apenas 24 minutos do seu tempo por semana para atividades de treinamento. 
Segundo uma pesquisa da LinkedIn sobre como a aprendizagem no local de trabalho poderia ser melhorada, o problema número um resultou ser a falta de tempo. Dos entrevistados, 58% querem aprender no seu próprio ritmo e 49% querem aprender no fluxo de trabalho.
Esta realidade, faz surgir um novo paradigma de aprendizagem, mais atual e mais aderente à configuração bio-psíco-social da população do mundo corporativo. Learning in the flow of work.
Este paradigma, a diferença dos outros, oferece espaço para focar também na aprendizagem informal.
 
Learning in flow of work, significa aprender algo útil no momento exato em que eu mais preciso. Significa que o colaborador possa acessar facilmente e rapidamente a determinados conteúdos quando ele precisa. 
Imaginem um operário na fábrica, que deve operar um determinado maquinário e tem algumas dúvidas sobre algum particular funcionamento dele. Ele poderia acessar com seu mobile a um QrCode impresso neste maquinário que o levaria ao treinamento sobre o uso correto.
Imaginem um promotor de venda, que deve montar os materiais de merchandising recebidos, na loja designada a ele. Poderia acessar a um QrCode que o levaria direto para o curso sobre o uso correto destes materiais.
Imaginem um manager que recebe uma comunicação sobre a necessidade de desligar pessoas da sua equipe. Ele pode ter nesta comunicação um QrCode que lhe permite acessar a todo o treinamento que o prepara para melhor abordagem à resolução de um problema tão delicado. 
São todos casos nos quais normalmente, a pessoa recorreria ao seu colega ou superior para ter uma ajuda sobre resolver as dúvidas, ou seja, recorrendo a uma aprendizagem informal. E nada impede que isso continue acontecendo, mas com este novo paradigma ele tem a possibilidade também de aprender diretamente o que precisa no momento que precisa, através de uma aprendizagem formal, que mantem e reforça todos os preceitos que a empresa quer que sejam mantidos e aplicados no trabalho.
 
Além disso, as empresas iluminadas já estão dando espaço para os próprios colaboradores para construção de conteúdos de treinamento onde estes possam contar as próprias experiencias no desenvolvimento do próprio trabalho.
A favor disso podemos citar que a Geração C, assim denominada pela google aquela comunidade de pessoas dedicadas a Criação, Curadoria, Conexão e Comunidade, já atua significativamente nas redes sociais como TickTock, Instagram ou Facebok onde produzem conteúdos, a maioria deles a benefício do próprio público. Então porque não desfrutar este talento para criar conteúdos sobre a própria experiencia no trabalho?
Isso permite tesaurizar a experiencia do colaborador a benefício de seus colegas. Ou seja, transformar o maior capital que cada empresa tem, a experiência acumulada de seus melhores colaboradores, que é algo intangível, em algo tangível e a benefício de toda a comunidade corporativa.
 
Se depois consideramos que no mundo corporativo, trabalhamos apenas com aprendizagem para adultos, entendemos como seja importante para cada colaborador enxergar o treinamento como algo útil, de aplicação imediata. E onde ele possa contribuir.  Estes são de fato, preceitos da andragogia que se dedicam a um publico adulto, onde o sujeito em questão é um sujeito de razão, liberdade e experiencia e portanto, quer entender o porque do treinamento, ter a possibilidade de escolher quando precisa deste treinamento e ter a possibilidade de contribuir e participar a isso com sua experiencia. 
 
Learning in the flow of work, então, oferece a possibilidade de melhor aderir a todas estas necessidades e realidades e abre a possibilidade de formalizar parte daquele aprendizado informal que constitui um papel muito importante na vida corporativa.
 
Talvez então seja neste sentido que as empresas deveriam direcionar o próprio budget de treinamento. Permanece importante o investimento em conteúdos, gestão de talentos, IA. Mas se torna prioritário o investimento em algo que possa realmente impactar no negócio da empresa.

Giuseppe Mosello.

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